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sábado, 18 de setembro de 2010

Digestão de idéias

“...O Ocidente submeteu cada vez mais o sistema escolar no seu conjunto ao controle do Estado. Do ponto de vista estritamente intelectual, os interessados nada perdiam, pois os professores do ensino oficial possuíam competência... porém esses professores especializados tinham uma concepção restritiva de seu trabalho: o matemático ensina matemáticas, o historiador a história... no final das contas a formação do conjunto é apenas a soma dos ensinos particulares. Ninguém está encarregado de compor os dados particulares fornecidos pelos diversos professores e de constituí-los numa unidade na medida de Homem. O aluno passa de especialista em especialista, esforçando-se para conciliar da melhor maneira possível suas exigências contraditórias. Um tal sistema é desumano porque ninguém, dentre os professores, se preocupa ou tem a seu cargo uma educação da alma. Cada um tenta realizar sua missão segundo sua consciência profissional. Os programas fizeram as respectivas tarefas: pensou-se em tudo, exceto no essencial” (Gusdorf, Georges - “Professores para quê?“).

As bases de uma sociedade capitalista ditaram as regras que imperam na mentalidade dos variados setores, inclusive o educacional. Do período Pós Industrial aos dias de hoje, o advento das tecnologias e o Ensino Tecnicista, prático, repetitivo e metódico resultaram em projetos de lei que incluem crianças de cinco anos de idade no sistema escolar. O conteúdo apostilado recheado por matérias descontextualizadas priorizam a velocidade e a competitividade para o suposto preparo ao temido vestibular. Causa certo estranhamento uma família que opta por um padrão de educação que priorize as artes, a imaginação e o lúdico na construção do conhecimento. O professor então, de formação tradicional e puramente academicista se vê diante de um dilema: o de se enquadrar no modelo imposto e antiquado ou revolucionar sua maneira de pensar e agir, com uma imensa pré-disposição à renovação constante.

Mas, independente da realidade social brasileira, de sermos deficitários em estrutura física e organizacional, a vocação, preparo e amor podem trazer inúmeros benefícios ao aprendizado escolar. A história do professor Mozart Vieira, retratada no filme “Pro dia nascer feliz”, mostra um exemplo de superação e força de vontade. A dedicação com que esse musicista, do interior da Bahia, tratou de ensinar música erudita na terra do baião de Luiz Gonzaga nos faz parar para pensar do quê depende uma boa atuação de um docente hoje em dia no Brasil.

Desse sonhador nasceu um trabalho de resgate cultural através da arte nunca antes imaginado naquela região. Bach e Chopin se fundiram ao forró, frevo, maracatu..., toda a história retratada desde o período barroco, clássico, romântico até o regionalismo e a música brasileira com tantas vertentes trouxe àquelas crianças e jovens uma formação intelectual e crítica, através da educação musical. Apesar das precárias condições de espaço físico para trabalhar – as aulas começaram numa granja- esse educador provou que o material humano e a preocupação social eram o bem mais precioso que poderia ser notado naquela seca do agreste.

Quando os alunos tiraram música da flauta doce, que no começo parecia de brinquedo, Mozart viu que tinha lhes tocado a alma, e da emoção descobriu que dali em diante aqueles meninos tocariam qualquer instrumento. Estava iniciado o primeiro passo para a construção da verdadeira cidadania. Através da percepção de ser parte integrante de uma orquestra nasceu a força e sinal de que aqueles meninos iriam longe... Essa constatação foi comprovada por Saltini (1997) ao afirmar que “as escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas”. Para ele as escolas têm contribuído em demasia para a construção de “neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores”.

Os pais dos pequenos nordestinos da zona rural, sem nenhuma formação acadêmica e em precárias condições de sobrevivência não entendem a importância de se ouvir uma vocação através da dedicação ao estudo das artes. A rivalidade surge já dentro de casa, quando o impulso deveria nascer: começa aqui o cerceamento do ser humano amputado de suas predestinações e dono de seu próprio destino. E aqui, no gérmen do indivíduo crítico é justificado o analfabetismo fabricado pelas universidades brasileiras, quando estes chegam lá. Quando não, também são justificadas todas as violações aos direitos de crianças e adolescentes, com o alto índice de delitos, evasão escolar, trabalho infantil, prostituição e drogadição. 

Ou seja, há um problema social alarmante em nosso país e todo esse caos surge também pela falta de princípios tanto de pais despreparados quanto de professores no cumprimento de seus papéis. O desamparo de ambos os lados, a desestrutura familiar e desigualdade social mostram-nos esse quadro todos os dias.

Uma das tarefas da Pedagogia Waldorf, fundada por Rudolf Steiner em meados do século XX é a de se formar seres humanos livres, que sejam capazes de, por si mesmos, encontrarem propósito e direção para suas vidas. As propostas pedagógicas de Steiner foram absolutamente revolucionárias e originais, desde separar os alunos em classes mistas até o fato de não haver notas ou repetições de ano, passando pela figura do Professor de Classe, que acompanha uma dada turma da 1ª à 8ª série, e ainda o ensino em "épocas", períodos em que apenas uma matéria é ministrada durante três ou quatro semanas, diariamente.  Mas, a meu ver a originalidade mais marcante da Pedagogia Waldorf é o fato de todo o ensino ser baseado em uma visão holística do desenvolvimento do homem, como um ser volitivo, emotivo e intelectual. Tal visão espiritualista conceitua claramente o que vem a ser o corpo, a alma e o espírito humanos e além do desenvolvimento físico, há a progressiva manifestação dos variados avanços no decorrer de nossas vidas, em períodos bem marcados.


Em sua “A Filosofia da Liberdade”, Steiner escreveu: "A natureza faz do ser humano um mero ser natural; a sociedade, um ser que age conforme leis; um ser livre, somente ele pode fazer de si mesmo. A natureza libera o ser humano em determinado estado de sua evolução; a sociedade o conduz alguns passos adiante; o último aperfeiçoamento somente ele pode dar a si mesmo." (p. 119, ênfases do autor). A escola Waldorf tem como meta justamente preparar os alunos para viverem plenamente em sociedade, e prepará-los para continuar seus estudos e darem os passos do autodesenvolvimento no caminho para a liberdade.

Não é fácil criar a potencialidade para a liberdade no mudo atual, onde a massificação, os meios eletrônicos e a ação movida por prazeres superficiais e muitas vezes artificiais, estão cada vez mais impedindo o ser humano de atuar livremente. Mas cabe a cada um de nós contribuirmos com nossa energia e amor para que consigamos cuidar melhor de nossas crianças e de sua educação. 

2 comentários:

Cy Scheffer disse...

Adorei o seu texto.

Foi esse o seu PI?

adorei o teu memorial de formação também, parabéns!

uNi, dUni, tê disse...

Foi sim Cynara... obrigada pelos elogios e pela visita, ok? Beijosss